domingo, 29 de junho de 2008

ANESTESIA: AUSÊNCIA DE SENTIMENTO

Se você procurar o significado da palavra anestesia no dicionário encontrará esta definição.
Mas, por que cargas d’água alguém que vai ter um filho não quer ter sentimento?
Anestesiar-se diante da morte ainda dá pra entender, mas diante do milagre da vida, diante desta fantástica aventura que por instantes nos faz pensar que somos Criador ao invés de criatura...

Afinal, qual o significado da dor que quase toda mulher sente para dar a luz a uma criança em um parto natural?
Por que algumas pessoas não conseguem encarar a dor do parto, não conseguem ‘sentir’ a dor'?

Arrisco-me a compartilhar com vocês algumas hipóteses:
Será que é porque ela não se dispõe a indagar sobre o sentido último da dor?
Será porque, durante a gestação, ela até pensa no significado da dor mas, como algo inútil, sem significado?

Todo ser humano tem direito de saber o porquê faz isto ou aquilo, é inerente a sua condição de ser racional, as perguntas fundamentais sobre a vida são abundantes na infância e raras na maturidade.

A mulher que passa a gestação sem se preparar, na hora do nascimento do filho, perde o controle de si, sente-se como um motorista que perde o controle da direção do carro, e este com seu dinamismo original, a toma nas mãos, ou melhor, toma sua dianteira numa corrida sem rumo, exposta a qualquer desastre. O medo a invade... e ela fica desesperada!




A primeira conseqüência desta atitude é uma ruptura com o passado, nenhuma experiência conhecida é levada em conta; a segunda é a solidão na situação de dor: "sinto a dor sozinha"; e a terceira, a perda da liberdade, a mulher perde o controle da situação e abandona-se aos cuidados da equipe médica.

O senso comum envolve esta mulher como envolve a todos nós. Dewey a respeito disto, adverte seus leitores:
"Dewey aconselha a deixar de lado as coisas impossíveis em proveito da construção em conjunto de uma vida social: deste modo porém, não leva em conta que a unidade entre os homens, portanto, a possibilidade de uma colaboração realmente construtiva, exige um fator que transcende o homem, sem o qual as pessoas poderão apenas justapor-se umas às outras de forma provisória e equívoca, porque não conseguirão mais ter certeza de nada."(1)


A fuga do sofrimento expressa-se através de diferentes atitudes, cito algumas delas:


Negação: O medo pode fazer com que a mulher negue o significado da dor, pode fazer com que ela não se disponha sequer a pensar na possibilidade da dor ter um sentido.;


Redução: Ela pode também reduzir o significado da dor, até pergunta-se sobre o sentido da dor, mede-a de acordo com o sentimento, mas, sem compromisso pessoal do eu, sem um comprometimento da sua liberdade, apenas para satisfazer a necessidade de expressão provocada pelo reflexo emocional suscitado pela interrogação. A busca pelo sentido torna-se um espetáculo de beleza, assume uma forma estética, apenas isso.
Toda vez, que fugimos dos nossos sentimentos, toda vez que nos anestesiamos para não sentir, negamos nossa essência humana. Não podemos renegar nem esquecer nada, sem nos limitarmos à superfície, à crista da onda, sem descer a profundidade do seu movimento.

Compromisso com a vida, compromisso com toda existência, com o essencial ou, a negligência, o esquecimento.
O que podemos fazer para despertar esta pergunta sobre o significado da dor nos grupos de preparação para o parto?

Precisamos identificar a estrutura da reação da gestante diante da realidade. Pode-se definir esta dinâmica humana observando-a em ação. Se ela viveu pouco o impacto com a realidade, porque por exemplo, teve pouco esforço a realizar, terá um escasso sentido da própria consciência, perceberá menos a energia e a vibração da sua razão. Os fatores que participam desta dinâmica, organizados cronologicamente, são:


1. Viver o maravilhamento diante da realidade.
2. Perceber-se dentro desta realidade e chegar a conclusão que ela é organizada.
3. Constatar que a realidade move-se de maneira a favorecê-la, que é providencial.
4. Tomar consciência de si como 'eu', perceber sua identidade.
5. Descobrir que pode distinguir o bem do mal, que pode ter a percepção do bem e do mal.

Qual é a fórmula deste itinerário? VIVER O REAL.

Um espaço, onde sou acolhida, onde me sinto à vontade para expressar meus pensamentos, pois, as pessoas que conduzem o grupo têm empatia, conseguem aceitar meus sentimentos sem reprová-los, um lugar assim, eu quero freqüentar. Um grupo de gestantes, com esta característica, pode ajudar a mulher a encontrar o sentido de alguns sentimentos que antes não se permitia viver, ou até mesmo falar sobre. Segundo Frankl, “ encontrar o sentido está em estreita relação com a percepção de realidade”


A mulher que se prepara durante a gestação consegue encarar as emoções que no trabalho de parto são inteligentes e dramáticas e também inevitáveis, mesmo que o clamor ou a obtusidade da vida social pareçam querer silenciá-las.


O desespero diante da dor: Só a idéia eterna de que há qualquer coisa de infinitamente mais justo e feliz do que eu me enche por completo de uma ternura sem limites. Seja eu quem for, seja o quer que tenha feito, é necessário que eu saiba acreditar, em cada momento, muito mais do que na minha própria felicidade, mas ,que há em qualquer parte a felicidade perfeita e calma, para tudo e para todos.


A Rede Parto do Princípio organizou uma exposição nacional com fotos de mulheres brasileiras tiradas durante o nascimento de seus bebês. Várias cidades do país estão expondo as fotos que têm como objetivo incentivar o vínculo afetivo entre mãe e filho, a amamentação na primeira hora de vida e o parto humanizado.


Se ajudarmos as gestantes a percorrer este itinerário, talvez ela dispense a anestesia na hora do parto, talvez ela consiga descobrir que vai ser bom sentir seu filho nascendo, talvez ela possa ter um parto prazeroso como na foto acima.
Referências Bibliográficas:
(1) in GIUSSANI, L. O Senso Religioso. Nova Fronteira,2000. SãoPaulo.
(2)FRAKL,V. Sede de sentido. Quadrante,1989. São Paulo.
by VERA BRUDER

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